terça-feira, 30 de outubro de 2012

Mais maracutaia à vista

O requerimento abaixo, do deputado Romário (PSB-RJ) trata de assunto relevante em relação aos Jogos Olímpicos do Rio 2016. Por se tratar de suspeita de favorecimento ilícito, na venda e distribuição dos ingressos nas Olimpíadas de 2016, de grupos ligados a casos ainda sob investigação internacional, é de suma importância que o caso seja acompanhado desde já.


REQUERIMENTO DE INFORMAÇÃO Nº , DE 2012.

(Do Sr. Romário)

Requer o encaminhamento do

Requerimento de Informação ao

Ministro do Esporte.

Senhor Presidente:

Com fundamento no artigo 50, § 2º, da Constituição Federal, e com

base nos artigos 24, V; 115, I e 116, do Regimento Interno da Câmara dos

Deputados, REQUEIRO, a Vossa Excelência, seja encaminhado ao Poder

Executivo, mormente ao Ministro do Esporte, o SR. JOSÉ ALDO REBELO

FIGUEIREDO, o pedido de informações que ora apresentamos, a fim de

que sejam esclarecidos os critérios de concessão da alocação dos

ingressos para os Jogos Olímpicos Rio 2016, bem como a participação

do membro do Comitê Executivo do Comitê Olímpico Internacional

(COI), Patrick Hickey, na Comissão de Coordenação do COI para o

Rio 2016 e, consequentemente, sobre sua proximidade com o Comitê

Organizador Rio 2016, responsável pela venda de ingressos dos Jogos

Rio 2016.

JUSTIFICATIVA

1- Considerando que o Ministério do Esporte é responsável por

construir uma Política Nacional de Esporte, bem como de trabalhar

ações de inclusão social, garantindo à população brasileira o acesso

gratuito à prática e projetos desportivos, fundado na qualidade de

vida e no desenvolvimento humano;

2

2- Considerando que no dia 2 de outubro de 2009, o Comitê Olímpico

Internacional (COI) escolheu o Rio de Janeiro para sediar os Jogos

Olímpicos e Paraolímpicos de 2016;

3- Considerando que o Comitê Organizador Rio 2016™ é uma

associação civil de direito privado, com natureza desportiva, sem fins

econômicos, formada por Confederações Brasileiras Olímpicas, pelo

Comitê Olímpico Brasileiro e pelo Comitê Paralímpico Brasileiro;

4- Considerando que o Comitê Organizador Rio 2016™ tem como

missão promover, organizar e realizar os Jogos Olímpicos e

Paralímpicos Rio 2016, seguindo as diretrizes do Contrato da Cidade-

Sede, do Comitê Olímpico Internacional, do Comitê Paralímpico

Internacional e da Agência Mundial Antidoping, em consonância com

a legislação brasileira, a Carta Olímpica e o Manual de Regras do IPC;

5- Considerando que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) é uma

organização não governamental de direito privado, que trabalha na

gestão técnica-administrativa do esporte, atuando no

desenvolvimento dos esportes olímpicos no Brasil;

6- Considerando que compete ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB):

- discutir, viabilizar e acompanhar a preparação das equipes

olímpicas com base nos projetos apresentados pelas Confederações,

atuando na coordenação e gerenciamento desses projetos com sua

experiência e credibilidade e tendo como espelho as melhores

práticas internacionais;

- investir no desenvolvimento técnico das 42 modalidades olímpicas;

promover, organizar, dirigir e coordenar ações voltadas para o

desenvolvimento do esporte no Brasil, incluindo Olimpismo, Esporte

Escolar, Esporte Universitário, Selo COB Cultural, Instituto Olímpico

Brasileiro, Centro de Treinamento Time Brasil, Laboratório Olímpico;

3

- apoiar, acompanhar diretamente a preparação dos atletas do Time

Brasil e organizar a delegação brasileira nos Jogos Olímpicos e nos

Jogos Pan-americanos, além de outras competições multiesportivas,

a partir de um trabalho apoiado no gerenciamento esportivo e na

aplicação das Ciências do Esporte no treinamento e preparação de

atletas.

7- Considerando que a Comissão de Coordenação do COI para o Rio

2016™(CoCom) tem como missão acompanhar a evolução da

organização dos Jogos e que a venda de ingressos no Brasil é de

responsabilidade do Rio 2016™,

Julgamos necessário contar com os seguintes esclarecimentos,

pelas razões que passamos a aduzir.

Sabe-se que o senhor Patrick Hickey é membro do Comitê

Executivo do Comitê Olímpico Internacional (COI) e compõe,

concomitantemente, a Comissão de Coordenação do COI para o Rio

2016 que tem como finalidade acompanhar a evolução da

organização dos Jogos Rio 2016 junto ao Comitê Organizador Rio

2016, responsável pela venda de ingressos das Olimpíadas do Brasil .

Diante desta informação, é fato que há em curso por parte da

imprensa internacional investigação sobre suposto “mercado negro” e

tráfico de influência na negociação dos ingressos relacionados às

Olimpíadas de Verão (Londres 2012) e de Inverno (Sochi 2014).

Segundo levantamento do jornal britânico Sunday Times, o filho

do senhor Patrick Hickey, Stephen Hickey, é funcionário da The

Hospitality Group (THG), subsidiária do Marcus Evans Group, grupo

que é objeto de investigação da Comissão de Ética do COI por

4

suspeitas de desvios e superfaturamento de ingressos durante os

Jogos de Londres 2012.

De acordo com o noticiário internacional, o COI apura também

se o mesmo esquema poderia estar sendo montado para os Jogos de

Inverno da Rússia, em 2014.

Como sede das próximas edições dos Jogos Olímpicos e

Paraolímpicos, o Brasil precisa conhecer mais de perto o teor das

investigações e o relatório final com as conclusões, já que pode estar

na rota dos operadores do “mercado negro” de ingressos para

megaeventos esportivos.

Entendo que cabe ao governo brasileiro, principal financiador do

esporte nacional, cobrar total transparência do Co-Rio 2016,

responsável pela venda dos ingressos para os eventos supracitados,

sobre o plano operacional de venda de ingressos para os Jogos Rio

2016, o qual definirá, em 2013, categorias e preços, quantidade e

disponibilidade, entre outros itens.

Importante que o Ministério do Esporte também fiscalize o

processo de seleção da empresa que irá fornecer o sistema de venda

dos ingressos no Brasil, e acompanhe a escolha do revendedor

autorizado pelas vendas internacionais dos ingressos no exterior.

A presença do senhor Patrick Hickey, do COI – pai de um

funcionário da empresa que vendeu ingressos para os Jogos Londres

2012 e é alvo de suspeitas por parte da imprensa internacional e do

próprio Comitê de Ética da entidade – na Comissão de Coordenação

para o Rio 2016 precisa ser acompanhada pelo Ministério do Esporte

para evitar possível tráfico de influência entre Patrick Hickey e

5

autoridades esportivas brasileiras, já que a responsabilidade pela

alocação ingressos é dos dirigentes do CO-Rio 2016.

Solicitamos, portanto, sejam esclarecidas quais providências

têm sido adotadas sobre a venda de ingressos dos Jogos Rio 2016 e

sobre a relação de dirigente investigado pela imprensa estrangeira

como membro da Comissão que acompanha a organização dos Jogos

no Brasil junto ao CO-Rio 2016, mormente sobre:

a) alocação de ingressos no Brasil;

b) alocação de ingressos no exterior;

c) relação de dirigente do COI investigado pela imprensa

internacional por suspeitas de tráfico de influência na venda de

ingressos nos Jogos de Londres 2012, com o CO-Rio 2016.

Por todo exposto, conclamamos a devida atenção no mais breve

encaminhamento do que ora se propõe.

Sala das Sessões, em de outubro de 2012.

ROMÁRIO

DEPUTADO FEDERAL/PSB-RJ

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Recrudescimento do aparato de segurança norte-americano


Recrudescimento do aparato de segurança norte-americano

O complexo de Guantánamo e seus corolários (detenção por tempo indeterminado, tribunais militares) recebem cada vez mais apoio do Congresso. Seria equivocado, portanto, interpretar a reviravolta securitária de Obama como sintoma de uma “presidência imperialista” que espezinha os poderes legislativo e judiciário
por Chase Madar


Em 2008, o candidato Barack Obama prometeu fechar a prisão de Guantánamo, anular a lei de 2001 sobre segurança interior (“Patriot Act”) e proteger de qualquer represália os militares ou membros de serviços de informação que denunciassem abusos da administração. O candidato democrata à Casa Branca se dizia capaz de domar um aparato de segurança que, desde o atentado de 11 de setembro de 2001, se transformou em uma burocracia hipertrofiada e, em geral, incontrolável.

Quatro anos depois, no entanto, Guantánamo continua funcionando, seus tribunais militares retomaram as audiências e o Patriot Act está ativo. Decidido a punir toda divulgação de informação sensível, o Departamento de Justiça entrou com seis processos por violação da lei de espionagem – duas vezes mais que todos os governos precedentes. Além disso, a lista de passageiros proibidos de voar sobre território norte-americano, estabelecida em função de critérios em geral arbitrários e sistematicamente opacos, mais que dobrou entre 2011 e 2012, contando atualmente 21 mil nomes. No fim de 2011, Washington promulgou a Lei de Autorização de Defesa Nacional (NDAA, na sigla em inglês), que permite ao governo federal decretar a prisão – sem julgamento e por tempo indeterminado – de qualquer cidadão norte-americano suspeito de terrorismo, em detrimento do princípio de habeas corpus1 e da separação dos poderes. Por fim, a administração Obama autorizou a eliminação física, fora de suas fronteiras, de pessoas classificadas mais ou menos ativamente como “terroristas”, mesmo que não participem diretamente de ações armadas. Apesar dos atropelos inerentes a essa concepção expeditiva de segurança – como o caso do adolescente norte-americano de 16 anos, filho de um suposto responsável da Al-Qaeda, assassinado por engano em setembro de 2011 no Iêmen –, Obama intensificou o programa “secreto” de execuções sumárias de cidadãos estrangeiros, como mostra a utilização cada vez mais frequente de ações secretas para levantar informação no Paquistão, no Iêmen e na Somália.

Seria ingênuo acreditar que Obama de fato poderia ter acabado com a expansão do aparelho de segurança norte-americano? Sua promessa, antes de tudo, se apoiava sobre um precedente histórico. Em meados da década de 1970, em plena confusão do Caso Watergate e da Guerra do Vietnã, a maioria democrata do Congresso havia restringido os poderes de polícia e vigilância interior que o presidente republicano Gerald Ford tentava ampliar – por mais que a contrarresposta tenha sido a extensão das prerrogativas do Executivo no âmbito militar, notadamente em operações secretas no exterior. Os eleitores de Obama possuíam, assim, fundamentos para dar um crédito às promessas do candidato democrata.

Mas se decepcionaram. Na vida cotidiana dos norte-americanos, a questão da segurança está cada dia mais presente, como demonstram os escâneres corporais instalados em 140 aeroportos do país. Segundo a opinião de alguns especialistas, essas práticas constroem um “teatro securitário” que, em vez de proteger realmente os usuários, os faz perder mais tempo. Um relatório da Administração de Segurança dos Transportes (TSA, na sigla em inglês) indica, além disso, que esses escâneres são “vulneráveis” e fáceis de ludibriar.2 O passageiro pode até se recusar a passar pelo aparelho, mas à custa da revisão completa de sua bagagem, em geral vivida como uma humilhação.

Ainda mais surpreendente é o reforço da vigilância interior durante a presidência de Obama: a administração federal emprega hoje 30 mil pessoas em escutas telefônicas nos Estados Unidos. O Departamento de Segurança Interna, criado em 2002, tornou-se a terceira burocracia mais forte do país – depois do Pentágono e do Departamento de Assuntos dos Veteranos de Guerra – em apenas uma década. Para armazenar os dados recolhidos por esse dispositivo tentacular, está sendo construída uma nova sede em Bluffdale, no estado de Utah, em um terreno de 9 hectares e com custo de US$ 2 bilhões.

É difícil medir em que proporções o Estado de segurança aumentou. Desde o atentado de 11 de setembro, uma intrincada malha de feudos burocráticos, dotados de orçamentos cada vez mais opulentos (aos quais se somam financiamentos privados escusos), desencadeou um boom imobiliário no centro de Washington com a construção de 33 edifícios espalhados sobre uma superfície total de mais de 150 hectares – o equivalente a três pentágonos ou 22 capitólios. Esse novo sistema de vigilância e controle produz, por ano, 50 mil relatórios, ou seja, 136 por dia. Segundo a jornalista do TheWashington PostDana Priest, laureada com um prêmio Pulitzer e especialista em questões de segurança interior, a “festa das despesas securitárias” chegou a US$ 2 trilhões3 em dez anos. E isso sem qualquer autoridade hierárquica que supervisione os vigilantes: o único superior das agências de informação é o diretor do Departamento de Inteligência Nacional (DNI, na sigla em inglês), que na prática não exerce nenhum poder.

Ao mesmo tempo, Washington recrudesceu sua “política do secreto”. Em 2011, 77 milhões de documentos foram classificados como confidenciais – 40% a mais em relação ao ano anterior. Somente o processo de “classificação” custa US$ 10 bilhões por ano, segundo estimativas de William Bosanko, ex-diretor do Escritório de Vigilância e da Segurança da Informação. Não surpreende, portanto, que as desqualificações sejam feitas a conta-gotas. No ano passado, a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) tornou públicos os dossiês em relação à guerra... de 1812 contra a Grã-Bretanha. Apenas organizações sólidas e suficientemente ricas para oferecer um batalhão de advogados experientes conseguem transpor o muro do secreto, invocando a lei de liberdade de informação – embora com sucesso limitado.

Esse aparelho colossal que devora fortunas apresenta, porém, algumas falhas em sua impermeabilidade. Em primeiro lugar, a proliferação das “autorizações de segurança” (security clearances) – atualmente, 854 mil norte-americanos dispõem de acesso parcial às informações confidenciais – coloca em questão a própria noção de secreto. Além disso, é comum que material classificado como secreto transite de computadores portáteis à internet graças a programas peer-to-peer geralmente instalados por filhos de um ou outro alto funcionário grisalho e pouco familiarizado com a rede.4 Matthew M. Aid, historiador da espionagem dos Estados Unidos, surpreendeu-se ao encontrar computadores do Exército norte-americano à venda nos mercados de Cabul, com seus discos rígidos intactos e repletos de arquivos classificados.5 E, apesar da repressão cada vez mais severa, os altos funcionários da administração norte-americana continuam a fornecer informação considerada secreta a jornalistas. O confidencial “Relatório de Inteligência Nacional sobre o Afeganistão” vazou em janeiro passado, e as ações secretas no Paquistão são objetos frequentes de indiscrição na imprensa.

Durante os dois mandatos de George W. Bush, a intensificação da segurança nacional foi considerada uma ameaça por numerosos norte-americanos; hoje, já não é assim. Desde a Segunda Guerra Mundial, parece que a defesa das liberdades civis progride nos Estados Unidos somente quando o Partido Democrata está na oposição, como no início da década de 1970. Mas, quando chega ao poder, o movimento parece se dissipar. Atualmente, vários intelectuais pró-democratas se empenham em explicar ao público que suas objeções não se dirigem ao aparelho de segurança estatal enquanto tal, e sim à utilização do dispositivo pelo partido “mau”. “Esse argumento é comum entre os progressistas que se recusam a criticar Obama, como o faziam com Bush”, lamenta o jurista Jonathan Turley.6Se as críticas de esquerda se destacam pela timidez, os ex-responsáveis da administração Bush – como Richard (“Dick”) Cheney – não deixam de aplaudir o presidente por sua dedicação à segurança nacional pós-11 de Setembro.

No início de seu mandato, Obama parecia firme na manutenção de suas promessas. Rapidamente, porém, se viu confrontado com a hostilidade do Parlamento. No dia 21 de maio de 2009, o Congresso se recusou a liberar os US$ 80 milhões necessários para realizar esse projeto. Sem levar em conta essa obstrução, o procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder, anunciou discretamente que cinco detentos de Guantánamo seriam transferidos para Nova York para responder diante de uma corte de justiça civil. Controversa, a decisão se chocava com a oposição arisca dos representantes nova-iorquinos, obrigando Obama a admitir que ele não poderia fechar a prisão no prazo anunciado. Desde então, o complexo de Guantánamo e seus corolários (detenção por tempo indeterminado, tribunais militares) recebem cada vez mais apoio incondicional do Congresso, notadamente entre os democratas. Seria equivocado, portanto, interpretar a reviravolta securitária de Obama como sintoma de uma “presidência imperialista” que espezinha os poderes legislativo e judiciário.

De todo modo, a expansão rápida da segurança nacional não é um fenômeno novo na história dos Estados Unidos. O atual presidente perde nesse quesito se comparado ao distante predecessor Harry Truman (1945-1953), democrata que, embebido no anticomunismo em voga após a Segunda Guerra Mundial, aumentou consideravelmente o arsenal de vigilância e repressão internas. Essa política recrudesceu sob a presidência de John F. Kennedy (1961-1963) e Ronald Reagan (1981-1989). Em tempos de Guerra Fria, a segurança de Estado obtinha todos os fundos e a autonomia que reivindicasse.

Se por um lado os norte-americanos execram qualquer forma de ingerência do Estado em sua vida privada, por outro se adaptam bem às disposições de segurança. Os liberais (facção minoritária do Partido Republicano) nutriram esperanças de que o Tea Party, particularmente diligente em relação à liberdade individual, conseguiria brecar o aparelho de controle e reduzir as intervenções militares norte-americanas no exterior. Mas esqueceram que o liberalismo de direita desse partido está particularmente preocupado com a defesa do direito de propriedade, razão pela qual seus representantes no Congresso votaram em uníssono a favor da retomada do Patriot Act em 2011. Por mais floreada que seja sua retórica anti-Washington, o Tea Party está perfeitamente à vontade com as políticas intrusivas levadas a cabo em nome da segurança nacional.

Hoje, a resistência contra a ideologia securitária está fragmentada em pequenos grupos dispersos tanto à esquerda como à direita. Estável e dotada de meios consequentes, a União Americana das Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), de centro-esquerda, milita há décadas contra a vigilância ilegal, o segredo de Estado e os abusos de poder. Curiosamente, a única personalidade política nacionalmente conhecida que tomou uma posição clara contra o exagero securitário é o republicano Ronald (“Ron”) Paul, que foi candidato à investidura de seu partido para as eleições presidenciais de novembro. Eleito do Texas à Câmara dos Representantes, esse liberal radical encarna uma pitoresca mistura de discurso anti-imperialista e ortodoxia ultraliberal. Contudo, do lugar de onde vêm, todas as tentativas de defender as liberdades civis fracassaram. Se encontram algum eco eleitoral, é em certas zonas pouco habitadas, situadas no interior do país (estados montanhosos, sudoeste e norte do Meio-Oeste), e não nas aglomerações costeiras. Tanto na Califórnia como em Nova York, os senadores democratas possuem notoriamente a tendência de andar de mãos dadas com as pontas da segurança nacional e com os empresários das telecomunicações, grandes provedores de tecnologia para os programas de vigilância estatais.

A expansão da burocracia securitária se dá no mesmo ritmo das intervenções militares norte-americanas no exterior. Enquanto os Estados Unidos se confrontam com uma grave crise orçamentária, alguns políticos, no seio do próprio Partido Republicano, buscam reduzir os orçamentos do Exército. Os dispositivos de vigilância serão também objeto das políticas de austeridade fiscal?



Chase Madar é advogado de direitos civis e coautor do relatório “Segurança com dignidade: alternativas para o sobrepoliciamento em escolas”, Nova York, julho de 2009.



1 Princípio jurídico que impede a prisão de uma pessoa sem julgamento ou prova.

2 David Kravets, “Homeland Security concedes airport body scanner ‘vulnerabilities’” [Segurança Nacional diz que escâneres corporais dos aeroportos são “vulneráveis”], Wired, São Francisco, 7 maio 2012. Disponível em: www.wired.com.

3 James Bamford, “The NSA is building the country’s biggest spy center (watch what you say)” [A NSA está construindo o maior centro de espionagem do país (cuidado com o que você diz)], Wired, 15 mar. 2012.

4 Dana Priest e William M. Arkin, Top secret America: the rise of the new American security State [América secreta: o surgimento de um novo Estado de segurança norte-americano], Little Brown, Nova York, 2011.

5 Matthew M. Aid, Intel wars[Guerras da Intel], Bloomsbury, Nova York, 2012.

6 Jonathan Turley, “10 reasons why the U.S. is no longer the land of the free” [10 razões pelas quais os Estados Unidos não são mais a terra dos livres], The Washington Post, 4 jan. 2012.
02 de Outubro de 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Novas expressões do conservadorismo brasileiro

A entrevista abaixo, concedida por André Singer ao Le Monde Diplomatique Brasil (http://www.diplomatique.org.br), dá uma boa indicação de uma das maiores dificuldades da esquerda contemporânea no Brasil. Indica também como grupos oportunistas de direita ocuparam um espaço que seria naturalmente da esquerda, o que gera aberrações como a reeleição em primeiro turno de Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, com mais de 60% dos votos.

......

Segundo o cientista político André Singer, a quebra da hegemonia da esquerda no plano cultural e a resistência aos programas sociais do lulismo e à resultante ascensão social estão na raiz das ondas conversadoras que prosperam atualmente no Brasil

por Luís Brasilino

DIPLOMATIQUE – Em debate na USP realizado em agosto, o senhor identificou que a esquerda brasileira perdeu a hegemonia no plano cultural que possuía nas décadas de 1960 a 1980. Como se deu esse processo?

ANDRÉ SINGER – Parto de artigo famoso do professor Roberto Schwarz1 em que ele sugere a ideia de que houve um fenômeno inesperado depois do golpe de 1964: em lugar de uma retração da cultura de esquerda, tivemos um período de expansão e até de hegemonia cultural – não política − da esquerda. Fiquei com isso na cabeça e me ocorreu, embora nunca tenha podido escrever a respeito, que talvez essa hegemonia cultural tenha persistido até o final dos anos 1980. Isso porque, passado o período mais duro da repressão, que começou com o AI-5 em dezembro de 1968 e foi até a chamada abertura com o [Ernesto] Geisel em 1974, essa hegemonia cultural da esquerda voltou. Lembro bem que, no final dos anos 1970 e começo dos 1980, praticamente não se encontravam pensadores, articulistas e ideólogos que tomassem posições abertamente de direita. Estávamos sob hegemonia política da direita, mas no plano cultural a hegemonia da esquerda continuou e até se acentuou no final dos anos 1970, quando se iniciou o que talvez tenha sido, por sua capilaridade, o maior movimento grevista ocorrido no Brasil. Esse movimento de base gerou o que chamo de “onde democrática”, aproximadamente de 1978 a 1988, com uma profusão de movimentos organizados configurando uma democratização da sociedade por baixo, e isso acentuou ainda mais a hegemonia cultural da esquerda. Paralelamente, no final dos anos 1970, começo dos 1980, tem início no mundo a onda neoliberal.

DIPLOMATIQUE – E o Brasil estava em descompasso com essa tendência.

ANDRÉ SINGER – O neoliberalismo no Brasil foi retardado por essa conjuntura, cujo emblema maior talvez tenha sido a campanha das “Diretas já”. Só que, no plano mundial, começou a crescer o neoliberalismo, um fenômeno ideológico que o [historiador inglês] Perry Anderson classifica como o de maior sucesso de toda a história. Ou seja, não é apenas um conjunto de políticas governamentais, mas uma concepção de mundo que ganhou corações e mentes. Finalmente, entre o fim dos anos 1980 e começo dos 1990, o neoliberalismo entrou no Brasil.

DIPLOMATIQUE – A eleição de 1989 é um marco dessa inflexão?

ANDRÉ SINGER – É um marco desse processo, que depois foi aprofundado pelas políticas do governo Fernando Henrique Cardoso. Mas não é só isso, porque estamos falando de hegemonia cultural. O que acontece é que os valores de mercado, de ascensão individual, de competição e os valores ligados a uma intensa mercantilização dos espaços públicos começaram a se tornar correntes, sobretudo na chamada classe média tradicional e depois em estratos médios mais amplos. Então, passamos a assistir ao surgimento de manifestações ideológicas, com articulistas, autores de livros e até artistas, produtores influentes, que defendiam abertamente esses pontos de vista, algo que não se encontrava até meados dos anos 1980. Assim, a presença quase total que a esquerda tinha no plano da cultura foi quebrada e passou a haver uma competição na qual continua existindo uma esquerda, mas a direita é crescente. Com isso, não quero dizer que ela necessariamente vai se tornar hegemônica, mas passou a haver uma competição.

DIPLOMATIQUE – Qual é o papel das Igrejas nesse processo?

ANDRÉ SINGER – Esse é um fator extremamente importante, porque o Brasil é um país onde o catolicismo era e continua sendo muito forte. É visível que a inflexão da Igreja Católica para a esquerda nos anos 1960 e 1970 impactou muito no sentido dessa hegemonia cultural. A influência da Igreja Católica no Brasil era enorme, continua sendo muito grande, e, quando ela virou para a esquerda, arrastou camadas extensas da sociedade. Nos anos 1980, a onda neoliberal influenciou a Igreja com uma virada para a direita que começou com o papa João Paulo II e lentamente foi entrando no Brasil. Isso é muito importante para entender a presença da hegemonia cultural da esquerda e depois sua quebra. A esse fator se soma um segundo, que é a avalanche pentecostal e neopentecostal no Brasil. O crescimento das confissões evangélicas parece ser compatível com a proliferação de uma ideologia mais conservadora. É difícil fazer afirmações categóricas, porque esse universo é muito diversificado, mas a impressão que tenho é que as confissões pentecostais e neopentecostais tendem a favorecer uma percepção de que a melhora das condições de vida depende do esforço individual, não de movimentos coletivos.

DIPLOMATIQUE – O senhor também identifica outras ondas conservadoras que extrapolam o plano cultural, especialmente entre a classe média paulistana. Quais são elas?

ANDRÉ SINGER – Em termos de classe propriamente, não há dúvida de que esse segmento tem uma propensão conservadora por razões materiais. Trata-se de uma parcela dentro de uma sociedade muito desigual como a brasileira, que tem privilégios, que tem o que perder, portanto, há motivos para uma inclinação no sentido da manutenção da situação que a beneficia. Porém, o que aconteceu é que uma parte desse segmento, que estou chamando de classe média tradicional, entrou e participou da frente antiditadura durante os anos 1970 e 1980, gerando uma simpatia por posições mais à esquerda. Isso explica também certa entrada que o PT chegou a ter nesses segmentos no começo de sua trajetória. Essa situação mudou radicalmente com o surgimento do lulismo, um processo dos últimos dez anos.

DIPLOMATIQUE – É desse realinhamento que o senhor trata em seu novo livro?2

ANDRÉ SINGER – Tem a ver, mas nesse caso é um fenômeno particular dentro do realinhamento: a classe média tradicional se fechou em bloco contra as políticas sociais promovidas pelo lulismo. Parece ser uma reação ao processo de ascensão social de setores que antes estavam estagnados numa condição de muita pobreza. É um fenômeno muito recente e não está bem pesquisado, mas a gente vê, ouve conversas, lê no jornal essa reação à presença de pessoas de renda mais baixa nos aeroportos. O que isso significa? Esses espaços eram exclusivos; só pessoas com renda mais alta podiam frequentar.

DIPLOMATIQUE – Sintomático disso são as reclamações por parte das classes média e alta sobre uma crescente dificuldade de encontrar empregados domésticos.

ANDRÉ SINGER – É, isso é o elemento que coloquei no meu livro Sentidos do lulismo. Chama muito minha atenção também porque houve realmente uma mudança no trabalho doméstico, com elevação da renda e melhora das condições de trabalho. Isso tem a ver com o fato de que caiu o desemprego e entraram em cena programas sociais que criaram um piso, dando a essas pessoas a possibilidade de escolher não trabalhar por menos de certa quantia, o que é extremamente importante se considerarmos que existem cerca de 6 milhões de empregados domésticos no Brasil. É um elemento desse conjunto de mudanças que está ocorrendo no Brasil e, aparentemente, há uma reação a isso por parte da classe média. Há também uma terceira onda, que é ainda menos conhecida e mais recente: um neoconservadorismo em uma parcela bem pequena do conjunto das 30 milhões de pessoas que ultrapassaram a linha de pobreza nos anos Lula, um segmento que deu um passo além, subindo não um, mas dois ou três degraus. Um fator disso tem a ver com o medo da mudança. Essas pessoas teriam certa consciência de que o processo de ascensão não durará para sempre e, portanto, não seriam simpáticas a políticas para promover a ascensão de novas camadas, pondo em risco aquilo que já ganharam. Outro elemento desse neoconservadorismo é que, às vezes, se nota entre aqueles que sofreram um processo de ascensão social uma antipatia com os programas sociais. É curioso. É como se essas pessoas se “dessolidarizassem” daquelas que ainda precisam da transferência de renda, compartilhando uma impressão de que o processo de ascensão social decorre do esforço individual, e não de políticas coletivas. Um terceiro fator, mais específico da cidade de São Paulo, é a questão do empreendedorismo. Isto é, há uma quantidade de pessoas envolvidas com pequenos negócios e tentando melhorar de vida por meio deles. Bom, esse pequeno empreendedor tem uma tendência conservadora, justamente porque ele só conta consigo mesmo, diferentemente de um assalariado.

DIPLOMATIQUE – O que organiza esse movimento conservador? Não há um partido que canalize essas ondas. Pode-se dizer que a mídia cumpre esse papel?

ANDRÉ SINGER – Essas ondas conservadoras não estão sendo expressas no plano da política, sobretudo da política partidária. Por quê? Porque nesse ponto entra em jogo outro fator, que é o realinhamento eleitoral. À medida que o lulismo obteve uma maioria no país, a oposição foi obrigada a jogar com as regras do jogo impostas por esse movimento. Essa é a principal consequência do realinhamento. Ele fixa uma agenda, por isso o lulismo é tão importante, porque determinou uma agenda no país, e esta é, fundamentalmente, a redução da pobreza. Sendo essa a agenda, a oposição não pode expressar nitidamente o ponto de vista de sua base social, porque assim ela perderia as eleições. Essa é a razão pela qual o candidato do PSDB em 2010, o ex-governador José Serra, propôs duplicar o número de pessoas atendidas pelo Bolsa Família, em lugar de combatê-lo, como gostaria a classe média tradicional. Desse modo, ocorre um fenômeno curioso: há um crescimento da ideologia conservadora na sociedade, mas ela não encontra expressão na política. Quanto aos meios de comunicação, nós precisamos entender o seguinte: o conservadorismo no Brasil é muito antigo e tem um lastro histórico profundo. O diferente nessa história foi o período de hegemonia cultural da esquerda. Agora, estamos voltando para um momento anterior, mas que é de uma certa normalidade, porque o Brasil tem esse lastro conservador. Os meios de comunicação têm um papel nisso? Certamente. Mas é preciso também considerar que a análise dos meios de comunicação não deve ser feita em bloco; eles não são uma coisa só, há certa heterogeneidade. [Porém,] Partes do sistema de mídia certamente compõem essa primeira onda conservadora que está quebrando a hegemonia cultural da esquerda.

DIPLOMATIQUE – Como o lulismo, um fenômeno tão contraditório, opera nessa chave?

ANDRÉ SINGER – O lulismo é uma nova síntese que junta elementos conservadores e não conservadores. Por isso é tão contraditório e difícil de entender. O lulismo pegou um apreço pela manutenção da ordem que tem ressonância nos setores mais pobres da população. Nesse ponto, retomo a questão de que, na formação social brasileira, se tem um vasto subproletariado que, por estar aquém da condição de proletário, não tem como participar da luta de classes, a não ser em situações muito especiais e definidas. Assim, o que o lulismo fez foi juntar esse apreço pela ordem com a ideia de que é preciso mudar. Que tipo de mudança? A redução da pobreza por meio da incorporação do subproletariado ao que chamo de cidadania trabalhista. Desse modo, o lulismo propõe transformações por meio de uma ação do Estado, mas que encontra resistência do outro lado. Basta prestar atenção no noticiário para ver como o embate político está posto o tempo todo nas decisões econômicas, no braço de ferro a cada momento em que se precisa baixar os juros, aumentar o gasto público ou controlar o câmbio. Essas decisões passam por um tremendo embate político que não está nas ruas; é preciso ler o jornal com atenção para perceber. O lulismo propõe mudanças, mas sem radicalização, sem um confronto extremado com o capital e, portanto, com a manutenção da ordem. Nesse sentido, é um fenômeno híbrido, que captura um tanto desse conservadorismo. Por isso uma análise mais simplista e dicotômica não consegue dar conta da complexidade da situação que estamos vivendo.

DIPLOMATIQUE – Em 2010, o senhor deu uma entrevista destacando a importância de o PT se manter na esquerda para politizar esse subproletariado.3 É isso que pode frear essas ondas conservadoras?

ANDRÉ SINGER – O Brasil ainda tem uma herança daquilo que chamei de grande onda democrática dos anos 1980. Que herança é essa? Primeiro a Constituição, com mecanismos de participação direta e, além disso, dispositivos efetivos de organização da sociedade. Grandes movimentos sociais se organizaram e uma parte deles segue atuando na sociedade, enquanto novos surgem, embora também seja possível identificar certos movimentos que declinaram. O Brasil ainda tem energia organizativa de baixo para cima. Segundo pesquisas que li, [essa energia] foi incrementada pelo Bolsa Família. Principalmente em comunidades do interior, as mulheres estão adquirindo certa autonomia a partir do momento em que têm um cartão, não dependem de mais ninguém e recebem uma quantia de dinheiro por mês, recurso a que elas nunca tiveram acesso e que é, sobretudo, constante, com o qual elas podem contar. Há indicações de que essas mulheres estão se organizando, por exemplo, em cooperativas, empreendimentos igualitários de mudança de sua condição de vida. Tudo que seja organização da sociedade pela base ajuda a frear essas ondas conservadoras. Não há motivo para imaginar que essa onda conservadora venha de maneira avassaladora, que não há nada do outro lado. Sobre a questão do PT, gostaria de observar que, como eu disse em 2010, continuo acreditando que este momento é especial, porque se abriu uma janela de oportunidade para o diálogo da esquerda com os segmentos mais pobres da população. Isso é muito interessante porque, sobretudo no Nordeste, esse era o setor que votava normalmente com o conservadorismo e agora está com o lulismo. É uma oportunidade ímpar de politizar esses setores, no sentido da transformação social. No entanto, de 2010 para cá, passados quase dois anos, não vejo o PT muito engajado nesse tipo de trabalho. Eu às vezes temo que essa oportunidade seja perdida, uma oportunidade que está aberta para toda a esquerda. Porém, os setores da esquerda que não estão no PT têm tido dificuldade para compreender os avanços sociais e simultaneamente o impacto conservador que o lulismo representa. Há que se entender essa contradição e, ao não entender, perde-se a plataforma de diálogo com os setores que estão sendo beneficiados por essas políticas.

Luís Brasilino

Jornalista. Editor do Le Monde Diplomatique Brasil.


Ilustração: Daniel Kondo


1 “Cultura e política, 1964-69”. In: Roberto Schwartz, O pai de família e outros estudos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.

2 Singer identifica que, desde a reeleição do presidente Lula em 2006, houve uma aproximação do subproletariado em direção ao lulismo e um distanciamento do PT por parte da classe média tradicional. Ver Os sentidos do lulismo, Companhia das Letras, São Paulo, 2012.

3 “Cabe ao PT politizar o subproletariado”, Brasil de Fato, São Paulo, n.374, 29 abr.-5 maio 2010.



02 de Outubro de 2012


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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pé de Vento - Grandes Aventuras

Animações para o Pé de Vento - Grandes Aventuras em: http://www.pedevento.org/grandesaventuras/