quarta-feira, 14 de março de 2012

A Lei Geral da Copa, essa aberração

O inacreditável Projeto de Lei 2330/2011, conhecido como Lei Geral da Copa, continua em tramitação no congresso, de onde, aprovado, seguirá para o Senado, onde dificilmente será barrado. 
É assustador que, com tantas violações de leis e direitos, a maior polêmica recaia sobre a liberação ou não de bebidas alcoólicas dentro dos estádios durante os jogos. Não que isso seja desimportante, afinal, que justificativa há para considerar nocivo o consumo de álcool nos estádios fora da Copa do Mundo e inofensivo durante o evento? No entanto, o projeto, que teve a votação adiada para a semana que vem, infringe tantos pontos da nossa legislação, abrindo exceções inaceitáveis para a FIFA e seus parceiros, que a polêmica sobre a venda de bebidas acaba servindo como cortina de fumaça. Mais que o estado de exceção que a referida lei nos pode impor durante a Copa do Mundo, a abertura de precedentes que podem transformar o provisório em permanente - alquimia mais que comum no Brasil - promete nos retirar direitos adquiridos depois de muita luta.

Abaixo, uma lista de pontos que me saltaram aos olhos ao ler o projeto.


Nossa Lei de propriedade industrial diz o seguinte:

Art. 124. Não são registráveis como marca: 
...
XIII - nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento; 

A Lei Geral da Copa, no entanto, nega essa vedação em seu Art. 3º, Inciso IV - Parágrafo único, que tem o seguinte texto: "Não se aplica à proteção prevista neste artigo a vedação de que trata o
art. 124, inciso XIII, da Lei no 9.279, de 1996."

Ou seja, o NOME Copa do Mundo FIFA 2014, em quaisquer idiomas em que seja registrado, apesar de disposição contrária explícita em uma LEI NACIONAL, pode ser registrado como de propriedade da FIFA e sua utilização não autorizada exposta aos rigores da lei.

--------------------


Art. 10. A FIFA ficará dispensada do pagamento de eventuais retribuições referentes a todos os procedimentos no âmbito do INPI até 31 de dezembro de 2014.

Ainda que na Lei de Propriedade Industrial tenhamos o seguinte:

Art. 155. O pedido deverá referir-se a um único sinal distintivo e, nas condições estabelecidas pelo INPI, conterá:

I - requerimento;

II - etiquetas, quando for o caso; e

III - comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito.

É incompreensível essa isenção dada à FIFA.

--------------------

Art. 11. A União colaborará com Estados, Distrito Federal e Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.

Parágrafo único. Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados.

Art. 23. Para os fins desta Lei, e observadas as disposições da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, consideram-se atos ilícitos as seguintes condutas, praticadas sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, entre outros:
I - atividades de publicidade, inclusive oferta de provas de comida ou bebida, distribuição de panfletos ou outros materiais promocionais ou ainda atividades similares de cunho publicitário nos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso, nas áreas a que se refere o art. 11 ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles;
II- publicidade ostensiva em veículos automotores, estacionados ou circulando pelos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso, nas áreas a que se refere o art. 11 ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles;
III - publicidade aérea ou náutica, inclusive por meio do uso de balões, aeronaves ou embarcações, nos Locais Oficiais de Competição, em suas principais vias de acesso, nas áreas a que se refere o art. 11 ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles;

São artigos totalmente inadmissíveis, uma vez que delegam a uma entidade privada internacional plenos poderes para controlar o comércio em vias públicas.

--------------------

Art. 16. Reproduzir, imitar ou falsificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Art. 17. Importar, exportar, vender, oferecer, distribuir ou expor para venda, ocultar ou manter em estoque Símbolos Oficiais ou produtos resultantes da reprodução, falsificação ou modificação não autorizadas de Símbolos Oficiais, para fins comerciais ou de publicidade, salvo o uso destes pela FIFA ou por pessoa autorizada pela FIFA, ou pela imprensa para fins de ilustração de artigos jornalísticos sobre os Eventos:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Art. 18. Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividades comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica.
Art. 19. Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos Locais Oficiais dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Art. 20. Nos crimes previstos nesta Seção somente se procede mediante representação da FIFA.
Art. 21. Na fixação da pena de multa prevista nesta seção e nos artigos 41-B a 41-G da Lei no 10.671, de 15 de maio de 2003, quando os delitos forem relacionados às Competições, o limite a que se refere o §1o do art. 49 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pode ser acrescido ou reduzido em até dez vezes, de acordo com as condições financeiras do autor da infração e da vantagem indevidamente auferida.
Art. 22. Os tipos penais previstos nesta Seção terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014.

É um descalabro que uma entidade internacional se sinta no direito de modificar, para defender seus interesses particulares, nosso Código Penal.

--------------------

Art. 23. Para os fins desta Lei, e observadas as disposições da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, consideram-se atos ilícitos as seguintes condutas, praticadas sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, entre outros:
...
IV - exibição pública das Partidas, por qualquer meio de comunicação, em local público ou privado de acesso público, associada à promoção comercial de produto, marca ou serviço ou em que seja cobrado ingresso;

Este inciso impediria, por exemplo, a exibição de partidas da Copa do Mundo 2014 em bares e restaurantes, o que é uma prática há muito disseminada no país, já fazendo parte da nossa cultura futebolística, além de impactar severamente os rendimentos dos comerciantes que do evento costumam se beneficiar, reduzindo de forma sensível o aquecimento da economia atrelado historicamente a eventos dessa natureza, o que corresponde a uma das principais motivações do esforço brasileiro de sediar o evento.

--------------------

Art. 26. Até 31 de dezembro de 2014 serão concedidos, sem qualquer restrição quanto à nacionalidade, raça ou credo, vistos de entrada para:
...
XI - espectadores que possuam ingressos ou confirmação de aquisição de ingressos válidos para qualquer Evento e todos os indivíduos que demonstrem seu envolvimento oficial com os Eventos, contanto que evidenciem de maneira razoável que sua entrada no país possui alguma relação com qualquer atividade relacionada aos Eventos.
§ 1o Considera-se documentação suficiente para obtenção do visto de entrada ou para o ingresso no território nacional o passaporte válido ou documento de viagem equivalente, em conjunto com qualquer instrumento que demonstre a sua vinculação com os Eventos, nos termos deste artigo.

Estes dispositivos delegam à FIFA um nível de controle totalmente inaceitável das fronteiras brasileiras. É um completo desrespeito à soberania nacional.

--------------------

Art. 27. Até 31 de dezembro de 2014, serão emitidas as permissões de trabalho, caso exigíveis, para as pessoas mencionadas nos incisos I a X do art. 26, desde que comprovado, por documento expedido pela FIFA ou por terceiro por ela indicado, que a entrada no País se destina ao desempenho de atividades relacionadas aos Eventos.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, poderão ser estabelecidos procedimentos específicos para concessão de permissões de trabalho.

O parágrafo único é injustificável, além de abrir espaço para a contratação mínima de mão-de-obra brasileira, o que, mais uma vez, se choca contra uma das maiores motivações do esforço nacional de sediar o evento.

--------------------

Art. 28. Os vistos e permissões de que tratam os arts. 26 e 27 serão emitidos em caráter prioritário, sem qualquer custo, e os requerimentos serão concentrados em um único órgão da administração pública federal.

O excesso de facilidades para espectadores estrangeiros, além de sobrecarregar a Polícia Federal, contrasta com o tratamento desdenhoso dispensado ao torcedor brasileiro, especialmente o mais pobre, que terá que disputar os poucos ingressos a preços mais baixos - mas que não merecem ser adjetivados como populares - tendo ainda que se submeter a um injusto e humilhante sorteio, por parte da FIFA, para garantir aquilo que deveria ser uma das prioridades do evento, o fácil acesso do torcedor local à festa em que é o anfitrião.

--------------------

Art. 30. A União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

Não há nada que justifique ou mesmo explique a União se responsabilizar por quaisquer acidentes ou incidentes que porventura venham a trazer prejuízos à FIFA. A disposição nula da FIFA em assumir qualquer risco em uma empreitada de onde espera extrair lucros exorbitantes é algo entre o arrogante e o desprezível. O cidadão brasileiro não está disposto a arcar com isso.

--------------------

Art. 33. Os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de Ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos Eventos
serão definidos pela FIFA, a qual poderá inclusive dispor sobre a possibilidade:
...
II - da venda de Ingresso de forma avulsa ou conjuntamente com pacotes turísticos ou de hospitalidade; e 

III - de estabelecimento de cláusula penal no caso de desistência da aquisição do Ingresso após a confirmação de que o pedido de Ingresso foi aceito ou após o pagamento do valor do Ingresso,
independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição do Ingresso.

O inciso II fere o art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, em cujo texto temos o seguinte:

É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

O inciso III fere o art. 49 do mesmo código, que tem aí o seguinte texto:
O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

--------------------

Art. 37. Poderão ser criados Juizados Especiais, varas, turmas ou câmaras especializadas para o processamento e julgamento das causas relacionadas aos Eventos.

Mais um disparate. Assumir que a maneira como está organizado o sistema jurídico brasileiro não é suficiente para tratar dos temas relativos a um evento esportivo, é admitir que o evento em questão é maior que o próprio país.

--------------------

Art. 38. A FIFA, Subsidiárias FIFA no Brasil, seus representantes legais, consultores e empregados são isentos do adiantamento de custas, emolumentos, caução, honorários periciais e quaisquer outras despesas devidas aos órgãos da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e Territórios, em qualquer instância, e aos tribunais superiores, assim como não serão condenados em custas e despesas processuais, salvo comprovada má-fé.

Outro artigo carregado de inexplicável e excessiva proteção à FIFA. O conjunto desses privilégios configuram uma quase imunidade das pessoas ligada a essa entidade, o que não é comparável com o tratamento dado ao cidadão brasileiro, constituindo  inaceitável ato discriminatório.

--------------------


quarta-feira, 7 de março de 2012

Quer pagar quanto?


Atenção você, brasileiro! Você que tem orgulho do seu país bonito por natureza, que tem o futebol correndo nas veias, que vê a economia crescer sem parar e atrai os olhares do mundo todo. Você, com essa alegria contagiante, essa malemolência única, é um anfitrião exemplar. E é por isso que preparamos uma promoção especial para você.

UMA COPA DO MUNDO DE FUTEBOL! É isso mesmo! Uma Copa do Mundo todinha para você. O país do futebol tendo a honra de sediar o maior evento esportivo do mundo. E não é só, nossa promoção inclui milhões de novos turistas antes, durante e depois da Copa, investimentos de todo o mundo aquecendo ainda mais a economia brasileira, a solução final para os problemas de infra-estrutura, modernização dos serviços e incremento tecnológico. MAS NÃO É SÓ! Ligando nos próximos 5 minutos você leva também esta maravilhosa Copa das Confederações. O que você está esperando? LIGUE AGORA MESMO!

E se você, além de brasileiro é carioca, temos uma promoção feita na medida para você. Por um pouquinho mais, você leva, além da Copa do Mundo de Futebol e a Copa das Confederações, uma inacreditável OLIMPÍADA NO RIO!!!! Não acredita? Ligue agora!!!! A promoção é válida apenas para os primeiros 6 milhões de telefonemas. NÃO FIQUE FORA DESSA!

...

Convecer boa parte do povo brasileiro a apoiar os megaeventos que estão por vir não foi tarefa difícil. Promessas, nítidos exageros contaminados de ufanismo delirante e, para os mais exigentes, projeções, prazos, gráficos coloridos e números, muitos números, funcionam como bela vestimenta para o conteúdo oco que vislumbra ganhos que nós, cidadãos, trabalhadores e torcedores brasileiros teremos com esses eventos. Nada de concreto, nenhum bom exemplo ou modelo em que se apoiar, a não ser especulações. Ainda que boa parte das tais promessas possam ser concretizadas, cabe a nós a pergunta: VAMOS PAGAR QUANTO?

As primeiras faturas já começaram a chegar. Remoções de comunidades inteiras, subsídios e outros favorecimentos injustificáveis a grandes empresas, desrespeito de leis trabalhistas e muito mais. Tudo isso sob o a lona impenetrável da desinformação programada, coordenada pelo Estado e os grandes grupos de mídia. Um dossiê preparado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa esmiuça as rubricas dessas faturas.

Como se nada disso bastasse, tramita no Congresso, em regime de urgência, depois de ter passado por todas as comissões, a abominável Lei Geral da Copa. Esta lei, nas palavras do deputado Chico Alencar, institui um "regime de exceção futebolística" durante o evento nas cidades sede. Depois de receber um parecer anódino do Deputado Vicente Cândido (PT/SP), cuja função não foi outra a não ser cumprir uma formalidade, o projeto de lei aguarda agora votação em plenário. Na próxima postagem tratarei detalhadamente deste inacreditável projeto de lei. Por ora, deixo aqui o nome de todos os membros da Comissão Especial destinada a proferir parecer a este projeto. Recomendo a todos que peçam satisfações a esses senhores pela aprovação e encaminhamento da PL 2330/2011.

segunda-feira, 5 de março de 2012

O perigo da história única

Vale tudo para os jogos olímpicos

http://video.nytimes.com/video/2012/03/04/world/americas/100000001369793/rio-relocates-for-2016.html